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quarta-feira, 26 de junho de 2013

O Estrangeiro - Albert Camus



O Estrangeiro - Albert Camus 
Tradução - António Quadros 
A inexistência de um sentido?

Contradizer a qualidade de um livro como “O Estrangeiro” é sem dúvida algo que me deixa muito hesitante e com um profundo receio de que talvez não tenha entendido a grandeza dessa obra, que me falte na verdade capacidade intelectual e sensibilidade para esse tipo de leitura.
Chego mesmo a pensar que minhas ideologias e crenças limitam a capacidade de análise e sinto-me um sujeito medíocre por não ver lá muito sentido num livro tão aclamado. Desde então aviso aos possíveis leitores toda a incompetência dessa análise, é a minha voz contra o senso comum intelectual de que “O Estrangeiro” seria um “clássico da literatura contemporânea”.
Serei bem direto, até porque não vou me cansar argumentando contra Jean Paul Sartre e tantos outros que escreveram páginas e mais páginas fundamentando a grandeza desse pequeno livro. Ele deve ser mesmo fantástico, disso não tenho dúvida, e devo estar vendo a obra de forma limitada, não é o que sinto mas é o que a razão fundamentada pelo argumento de autoridade me leva a crer.
Vamos então ao que penso:
O Estrangeiro não é um clássico. Aliás passa longe disso.
Talvez tenha se tornado pela introdução de Sartre e pelo ensaio do próprio Camus feito após o lançamento do livro, um ensaio para “explicá-lo”. Não li esse ensaio, mas talvez seja ele somado a opinião de Sartre o motivo do frisson pela obra, como uma espécie de jogo em que para vencer e chegar a resposta o jogador precise montar peças descobrindo então como desvendar o mistério.
Infelizmente sou desses sujeitos atrasados que acredita na obra por si, que para ser clássica precisa se constituir sozinha como um mito, uma explosão da mente, e não enxerguei nada disso em ´O Estrangeiro, mesmo com a introdução de Sartre e os comentários de colegas e professores. Expectativas trazem frustrações e isso poderá ter sido o grande problema, mas tive expectativas com Dorian Gray, com Ilusões Perdidas, com o Grande Gatsby e elas, de fato, se realizaram. Obras universais,que merecem seu lugar no “hall da literatura mundial”. O livro de Camus foi uma completa frustração, não por me sentir finito e sozinho no mundo, foi por ter diante dos meus olhos um possível diamante escondido em pedra bruta que não pude lapidar.
Tentei achar respostas, pensei que talvez não tivesse conseguido abrir os olhos por acreditar em Deus ou por ser meio “comunista”, por não ter paciência com essa linha do humanismo a là filme melancolia, de ver sentido em não achar sentido, essa coisa blasé intelectualoide. Ora, comunistas e cristãos são seres muito parecidos, uns acreditam em uma ideia-Deus, outros acreditam em uma ideia-homem e isso os faz mover e sentir prazer em viver na comunidade, seja como irmãos ou como companheiros que no fundo acaba sendo a mesma coisa.
Senti-me então incapaz, e isso é péssimo, sou daqueles que quer ler o Torá, o Alcorão e o Main Kumpf por ver nessas três obras elementos interessantes. Porque o que quero das leituras é o conhecimento e moral nenhuma deve obstar a sabedoria. Lembro da história de Hannah Arendt que sendo judia era discípula de Heidegger, um nazista assumido, e de como ela tentou não misturar duas coisas que se confundidas fazem o sujeito regredir completamente no caminho do saber.
Quero sentir tudo o que for possível, experimentar as perspectivas mais variadas, isso me faz crescer como pessoa e é isso o que traz um clássico. Mas não encontrei nada substancial em O Estrangeiro. Podem contra-argumentar que o sentido é as coisas não terem sentido - inclusive um dia pensei assim quando li Martin Eden, esse sim um clássico- na roda da vida e da sua insignificância, mas não, Martin Eden é um desiludido, não é um estrangeiro. Martin passa por dificuldades, vê a vida, dá sentido a tudo e só depois se vê perdido.
Li, do Sartre, Sursis, um bom livro, talvez um clássico, por sua narrativa diferenciada e seu humanismo intrínseco e achei muito engraçado que o mesmo Sartre tenha feito a introdução ao Estrangeiro. Não deixa de fazer sentido, compreendi que o assunto tratado no fundo é o mesmo, mas um é bem escrito, interessante, instigante, marcante, o outro são páginas corridas de algo que sem explicação, não passa da curta história de um sujeito julgado por não ter emoções.
Comparam em alguns pontos O Estrangeiro com obras de Kafka e Hemingway, retirem suas conclusões, mas não enxerguei Kafka nem Hemingway. Kafka ao mesmo tempo que é fantástico exala realidade, a alma humana saindo por todos os cantos em uma narrativa que mais se parece a um sonho bizarro e por isso real. Hemingway é a simplicidade da narrativa e a profundidade da alma. Ao menos em “O Estrangeiro” Camus esta longe léguas desses dois autores.
Para terminar, duas considerações: penso que essa sensação de não pertencimento ao mundo, de uma realidade que tanto poderia ser uma como outra totalmente diferente, de uma sociedade amoral onde a civilidade não passa de uma convenção necessária para as pessoas viverem em paz com seus abismos interiores seja algo natural ao europeu. Um reflexo do individualismo que se aprofunda cada vez mais no velho mundo. “O Estrangeiro” parece o reflexo disso, pouco latino, pouco comunitário, é a história de um sujeito que vive a imposição de uma moral sem no entanto fazer parte dela, um sujeito que vê em um árabe não um ser humano mas, simplesmente, “um árabe” - o personagem isento da moral, tornando-se um paradigma para a nossa compreensão de mundo.
Entretanto o “paradigma” é colocado muito mais por uma introdução de Sartre e um ensaio de Camus do que pela própria obra. Para mim é simplesmente levar a tentativa de sentido ao nada, nem mesmo ao não fazer sentido, pois o não fazer sentido já é um sentido da coisa, mas é o nada, talvez esse seja o “clássico” da coisa.
Não é um livro que leria novamente. Antes que me esqueça, uma dica para o seres que se aventuraram até aqui – não leiam a introdução de Sartre primeiro, ela conta a história e isso deixa a leitura broxante, afinal literatura é literatura e filosofia é filosofia por mais que elas se aproximem o bom dos livros acaba sendo o mistério

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