O Estrangeiro - Albert Camus
Tradução - António Quadros
A inexistência de um sentido?
Contradizer
a qualidade de um livro como “O Estrangeiro” é sem dúvida algo
que me deixa muito hesitante e com um profundo receio de que talvez
não tenha entendido a grandeza dessa obra, que me falte na verdade
capacidade intelectual e sensibilidade para esse tipo de leitura.
Chego
mesmo a pensar que minhas ideologias e crenças limitam a
capacidade de análise e sinto-me um sujeito medíocre por não ver
lá muito sentido num livro tão aclamado. Desde então aviso aos
possíveis leitores toda a incompetência dessa análise, é a minha
voz contra o senso comum intelectual de que “O Estrangeiro” seria
um “clássico da literatura contemporânea”.
Serei
bem direto, até porque não vou me cansar argumentando contra Jean
Paul Sartre e tantos outros que escreveram páginas e mais páginas
fundamentando a grandeza desse pequeno livro. Ele deve ser mesmo
fantástico, disso não tenho dúvida, e devo estar vendo a obra de
forma limitada, não é o que sinto mas é o que a razão
fundamentada pelo argumento de autoridade me leva a crer.
Vamos
então ao que penso:
O
Estrangeiro não é um clássico. Aliás passa longe disso.
Talvez
tenha se tornado pela introdução de Sartre e pelo ensaio do próprio
Camus feito após o lançamento do livro, um ensaio para
“explicá-lo”. Não li esse ensaio, mas talvez seja ele somado a
opinião de Sartre o motivo do frisson pela obra, como
uma espécie de jogo em que para vencer e chegar a resposta o jogador
precise montar peças descobrindo então como desvendar o mistério.
Infelizmente
sou desses sujeitos atrasados que acredita na obra por si, que para
ser clássica precisa se constituir sozinha como um mito, uma
explosão da mente, e não enxerguei nada disso em ´O Estrangeiro,
mesmo com a introdução de Sartre e os comentários de colegas e
professores. Expectativas trazem frustrações e isso poderá ter
sido o grande problema, mas tive expectativas com Dorian Gray, com
Ilusões Perdidas, com o Grande Gatsby e elas, de fato, se
realizaram. Obras universais,que merecem seu lugar no
“hall da literatura mundial”. O livro de Camus foi uma
completa frustração, não por me sentir finito e sozinho no
mundo, foi por ter diante dos meus olhos um possível diamante
escondido em pedra bruta que não pude lapidar.
Tentei
achar respostas, pensei que talvez não tivesse conseguido abrir os
olhos por acreditar em Deus ou por ser meio “comunista”, por não
ter paciência com essa linha do humanismo a là filme melancolia, de ver
sentido em não achar sentido, essa coisa blasé intelectualoide. Ora, comunistas e
cristãos são seres muito parecidos, uns acreditam em uma
ideia-Deus, outros acreditam em uma ideia-homem e isso os faz mover e
sentir prazer em viver na comunidade, seja como irmãos ou como
companheiros que no fundo acaba sendo a mesma coisa.
Senti-me
então incapaz, e isso é péssimo, sou daqueles que quer ler o Torá,
o Alcorão e o Main Kumpf por ver nessas três obras elementos interessantes. Porque o que quero das leituras é o
conhecimento e moral nenhuma deve obstar a sabedoria. Lembro da
história de Hannah Arendt que sendo judia era discípula de
Heidegger, um nazista assumido, e de como ela tentou não misturar duas
coisas que se confundidas fazem o sujeito regredir completamente no caminho do saber.
Quero
sentir tudo o que for possível, experimentar as perspectivas mais
variadas, isso me faz crescer como pessoa e é isso o que traz um clássico. Mas não encontrei nada substancial em O Estrangeiro. Podem
contra-argumentar que o sentido é as coisas não terem sentido -
inclusive um dia pensei assim quando li Martin Eden, esse sim um
clássico- na roda da vida e da sua
insignificância, mas não, Martin Eden é um desiludido, não é um
estrangeiro. Martin passa por dificuldades, vê a vida, dá sentido a
tudo e só depois se vê perdido.
Li,
do Sartre, Sursis, um bom livro, talvez um clássico, por sua
narrativa diferenciada e seu humanismo intrínseco e achei muito
engraçado que o mesmo Sartre tenha feito a introdução ao Estrangeiro. Não
deixa de fazer sentido, compreendi que o assunto tratado no fundo é
o mesmo, mas um é bem escrito, interessante, instigante, marcante, o
outro são páginas corridas de algo que sem explicação, não
passa da curta história de um sujeito julgado por não ter emoções.
Comparam
em alguns pontos O Estrangeiro com obras de Kafka e Hemingway,
retirem suas conclusões, mas não enxerguei Kafka nem Hemingway. Kafka ao mesmo tempo que é fantástico exala realidade, a alma
humana saindo por todos os cantos em uma narrativa que mais se parece
a um sonho bizarro e por isso real. Hemingway é a simplicidade da narrativa e a
profundidade da alma. Ao menos em “O Estrangeiro” Camus esta longe léguas desses dois autores.
Para
terminar, duas considerações:
penso que essa sensação de não pertencimento ao mundo, de uma
realidade que tanto poderia ser uma como outra totalmente diferente,
de uma sociedade amoral onde a civilidade não passa de uma convenção
necessária para as pessoas viverem em paz com seus abismos
interiores seja algo natural ao europeu. Um reflexo do
individualismo que se aprofunda cada vez mais no velho mundo.
“O Estrangeiro” parece o reflexo disso, pouco latino, pouco
comunitário, é a história de um sujeito que vive a imposição de
uma moral sem no entanto fazer parte dela, um sujeito que vê em um
árabe não um ser humano mas, simplesmente, “um árabe” - o personagem isento da moral, tornando-se um paradigma para a nossa
compreensão de mundo.
Entretanto
o “paradigma” é colocado muito mais por uma introdução de
Sartre e um ensaio de Camus do que pela própria obra. Para mim é simplesmente levar a
tentativa de sentido ao nada, nem mesmo ao não fazer sentido, pois o
não fazer sentido já é um sentido da coisa, mas é o nada, talvez esse seja o “clássico” da coisa.
Não é um livro que leria
novamente. Antes que me esqueça, uma dica para o seres que se
aventuraram até aqui – não
leiam a introdução de Sartre primeiro, ela conta a história e isso deixa a
leitura broxante, afinal literatura é literatura e filosofia é
filosofia por mais que elas se aproximem o bom dos livros acaba sendo
o mistério.
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